(Cachoeira Almécegas I - Fazenda São Bento)
Exuberância de flora, fauna e flores, paisagens deslumbrantes, morros e campos, diversidade de cenários, lindas cachoeiras, incontáveis rios e águas, um céu espetacular e cristais por toda terra. Essa soma mais alguma coisa intangível, mas “sentível”, a que as pessoas chamam de energia, constituem o encanto básico da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
E, ao contrário do misticismo e da ufologia, o bom é que, neste caso, não é preciso acreditar em nada sobrenatural ou fantástico, basta ver com os próprios olhos e sentir com todos os sentidos. O “poder terreno” manifesta e não há como escapar. É o planeta que chama.
Nesta viagem, diferentes percepções. O morador-nativo vê a natureza, com o perdão da redundância, como “natural”, porque ela sempre esteve aqui, esta é a paisagem permanente, é linda, mas o deslumbre não existe. O visitante vê a natureza como “sobrenatural”, algo glamourizado, cada vez mais raro e para ser devotado como um deus.
Sua intensidade é tão contrastante com as médias e grandes cidades, que a primeira reação de quem chega é de impacto e choque, e o local inevitavelmente vai apresentar-se como um paraíso. Se há estresse, ele evapora. Nesse sentido, a maior virtude da região é mostrar às pessoas o quanto tudo pode ser diferente e, sobretudo, melhor.
E ainda é possível escolher o tipo de turismo: ecológico, rural, de aventura, místico, ufológico, religioso, de moradia. Ops! De moradia? De moradia, porque não poucos visitantes tornam-se moradores. É como uma paixão, começa com um flerte e vai indo. Por exemplo: o Lutero e a Graça, de Brasília, construíram uma pousada; a Ivene, de Goiânia, abriu uma pizzaria e assim segue. Entre os novos moradores e os nativos, de um lado, e os turistas, de outro, há aqueles que têm casas de veraneio e estão sempre aqui, “ajudando a cuidar do lugar”. A dois passos ou no paraíso?
“O que faz da Chapada dos Veadeiros algo tão especial? O contato com a natureza é extremamente intenso, a sensação de liberdade que o local transmite”, pergunta e responde o site de turismo Transchapada, em uma espécie de auto-reflexão.
O que mais se diz, faz ou se vê aqui? Confira o que anunciam diversas fontes: caprichos da natureza (revista Bonde); dádivas da natureza" (Ecofotos); contato com a natureza, a biodiversidade, um silêncio mágico (Chapada.com); sintonia com a natureza (Casa das Flores); uma natureza exuberante e intrigante (Verde Trigos); natureza agreste, aura mística, santuário ecológico e belezas naturais (Pousada Jardim do Éden); todas as facetas da natureza intactas e com a força das águas (Férias Brasil). Como se percebe, falar daqui é ser redundante.Para Márcio José Pereira, de Goiânia, fã de carteirinha, a Chapada vai além do lindo cerrado de altitude e dos “passeios interessantíssimos”. “Tem a galera, a pinga com arnica do Seu Claro, o crepe da madrugada, o Bar do Bodinho...”. A lista não acaba.
O interessante é que as opiniões e imagens da região são tão positivas e construtivas que se alguém falar mal de algo vai se passar por ranzinza e insensível, quando não ficar com descrédito.
É aqui o paraíso?
Parece que sim. A Chapada dos Veadeiros é natureza e sua história é a história da Terra. Aqui tudo começou. Foram nestas paragens altas do planalto goiano que os primeiros raios de sol iluminaram um dos primeiros pedaços de terra emersos do planeta. Sobre ela, depois de milhões de anos, apareceram Cerrados em plenitude. E aí, dizem por aqui, o mundo ficou completo. A sociedade nacional só chega durante o Ciclo do Ouro, por volta de 1740, com a fundação da cidade de Cavalcante, mas já quatro décadas depois - informa o historiador Paulo Bertran -, o senhor Joaquim Pereira Lemos reivindica uma sesmaria de “meia légua de terra em quadra em o ribeirão chamado Paraíso, tudo na Chapada dos Veadeiros”. Ou seja, desde antes essa época, tudo estava batizado e a imagem já vinculava-se ao Éden.
Em 1935, quando a região era conhecida somente por suas minas de cristal de rocha e a preservação da natureza era idéia e prática inexistentes, Matma Nago, em seu livro O Tocantins, escreve: “Sabes, leitor amigo, onde fica a Chapada dos Veadeiros? (...) São as paragens mais inebriantes do Brasil. Em verdade, se ela não foi o local em que estava situado o Paraíso Terrestre em que Adão pecou, é, por certo, um pedacinho do céu que os Criadores das Cousas cortaram de seu imenso palácio e pregaram em pleno coração de nossa pátria”.
No livro Berço das Águas do Novo Milênio, do ano 2000, o seu autor, Miguel von Behr, faz uma verdadeira devoção à Chapada dos Veadeiros e pede que, aquilo que considera os seus elementos (água, flor e paisagem), sejam “entendidos como fornecedores de fontes de riqueza para o homem”. Segundo ele, “o que mais atrai são as belezas cênicas, com suas variadíssimas cachoeiras, cascatas, riachos, corredeiras, exuberantes montanhas, veredas, majestosos campos de flores, paredões, escarpas, canyons...”. E define: “paisagem é o estado da alma”.
Já o guia Amaury de Azevedo, de Alto Paraíso, escreve em poema:
“...A Chapada está em mim.
Nela incorporei-me
Em simbiose tão profunda...”
E o músico Paquito canta:
“Eu moro no paraíso
Chapada dos Veadeiros
Eu vivo no coração
Do cerrado brasileiro
Um banho de cachu
Um love com você
Que venha o fim do mundo
Eu não quero nem saber”
Nela incorporei-me
Em simbiose tão profunda...”
E o músico Paquito canta:
“Eu moro no paraíso
Chapada dos Veadeiros
Eu vivo no coração
Do cerrado brasileiro
Um banho de cachu
Um love com você
Que venha o fim do mundo
Eu não quero nem saber”
E assim, de apologia em apologia, a Chapada enche o papo.
(Cachoeira Almécegas II - Fazenda São Bento)
Exportação de couro
Ainda que esse encanto pela região venha há séculos, o respeito à natureza é recente. Sem considerar a agricultura de subsistência, as primeiras atividades econômicas da região, nos séculos 18 e 19, sempre devastadoras, foram a exploração de ouro e a exportação de couros, principalmente de veados, daí o nome veadeiro, que significa tanto o caçador de veado e o cachorro usado na caça quanto os locais onde esses animais costumam beber água. Por ironia do destino, foi uma atividade altamente predatória que batizou o que é hoje um dos lugares mais preservados do Cerrado brasileiro, mas sempre coexistindo com a noção de paraíso.Depois, vieram a criação de gado, cavalo e muar e o cultivo de trigo, este durando até o início do século 20. Em 1912, começaram as explorações de cristal de rocha, que se estenderam até meados dos anos 1980, quando o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV) foi fechado com cercas de arame e o turismo ecológico e místico iniciam, lentamente, suas atividades, somando remanescentes de comunidades alternativas e aventureiros.Apesar de ter sido criado em 1961, com 600 mil hectares, foi somente por volta de 1990, e já reduzido a 60 mil hectares, que o PNCV vai assumir sua condição de natureza a ser preservada. Simultaneamente, já acontecia um movimento conservacionista feito por grupos, entidades e associações civis, instituindo hotéis-fazendas, santuários informais e reservas particulares de patrimônio natural.
Ainda que esse encanto pela região venha há séculos, o respeito à natureza é recente. Sem considerar a agricultura de subsistência, as primeiras atividades econômicas da região, nos séculos 18 e 19, sempre devastadoras, foram a exploração de ouro e a exportação de couros, principalmente de veados, daí o nome veadeiro, que significa tanto o caçador de veado e o cachorro usado na caça quanto os locais onde esses animais costumam beber água. Por ironia do destino, foi uma atividade altamente predatória que batizou o que é hoje um dos lugares mais preservados do Cerrado brasileiro, mas sempre coexistindo com a noção de paraíso.Depois, vieram a criação de gado, cavalo e muar e o cultivo de trigo, este durando até o início do século 20. Em 1912, começaram as explorações de cristal de rocha, que se estenderam até meados dos anos 1980, quando o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV) foi fechado com cercas de arame e o turismo ecológico e místico iniciam, lentamente, suas atividades, somando remanescentes de comunidades alternativas e aventureiros.Apesar de ter sido criado em 1961, com 600 mil hectares, foi somente por volta de 1990, e já reduzido a 60 mil hectares, que o PNCV vai assumir sua condição de natureza a ser preservada. Simultaneamente, já acontecia um movimento conservacionista feito por grupos, entidades e associações civis, instituindo hotéis-fazendas, santuários informais e reservas particulares de patrimônio natural.
A consciência ambiental e a vida alternativa que vinham crescendo desde as revoluções urbanas das últimas décadas - reforçadas pelos ventos do encontro ECO-92, no Rio de Janeiro - vão ser fundamentais na consolidação desse sistema de proteção à natureza dos Veadeiros - que, hoje, começa a sofrer uma nova ameaça: os plantadores de soja, conhecidos como “fazedores de deserto”.
Novos olhares
De outro lado, ao contrário do que se pensa, o ecoturismo não é uma atividade isenta, pura e não-poluidora. A abertura de trilhas, a construção de hotéis e pousadas, o lixo gerado e o esgoto não deixam de interferir no ambiente verde, mesmo que com menos impacto que outros ramos da economia. A natureza também é explorada, mas de forma diferente. Ainda assim, parece ser este o melhor caminho para o chamado desenvolvimento sustentável.Nesta troca entre o paraíso e as cidades, além do impacto cultural, da interferência em costumes e comportamentos locais - uns positivos, outros negativos -, os turistas e os novos moradores também contribuíram para melhorar o perfil daqui. De certa forma, foram eles que ensinaram ao nativo a não só explorar, mas valorizar os Cerrados, a olhar diferente, a preservar e a “sentir a energia que rola aqui”.
Nos primeiros tempos do turismo, alguns nativos se enchiam de admiração e espanto ao saberem que as pessoas vinham de longe e, depois, caminhavam quilômetros e quilômetros sob sol ou chuva, em trilhas íngremes, só para tomar banho de cachoeira. No povoado de São Jorge, particularmente, os recém-chegados, com exemplos, incentivaram os moradores a fazer jardins, plantar árvores e arborizar o povoado. E o cenário urbano mudou por completo. A noção, até o início da década de 1990, era de que, estando bem no “meio” da natureza, já tinha mato demais, então árvore na rua pra quê?
Na mesma frente, o céu ganhou um novo olhar. Ora, pois, direis ouvir estrelas? Aqui você vai ouvir e entendê-las. Exultar o pôr-do-sol e o nascer da lua cheia. Isso é possível, mas é não é praticado nem percebido nas grandes cidades. Nos Veadeiros, há tempo e lugar para apreciá-los e até promover rituais de consagração, banhar-se em energia ou fazer mentalizações. Como o chopinho pós expediente ou a academia de ginástica no mundo urbano, os astros-reis da Terra são, na Chapada, um álibi para o relaxamento de fim de tarde. Para o morador e o trabalhador, o calendário e as horas são gregorianos, mas, para o visitante, o tempo aqui é outro - não o do relógio e das datas, mas dividido somente em dia e noite. Ou está claro ou está escuro e é isso que determina o que se vai fazer.
Cachoeiras, campos floridos, lindas paisagens, céus literalmente divinos. Este é o místico acessível, a magia que independe de crença, a energia que dispensa tomada, um sentimento que pode ser resumido ao bem-estar. Quem não quer estar bem? Então, esteja na Chapada.
Texto - Paulo José